Outro dia ouvi dizer que toda carta chega a seu destinatário, basta que seja escrita. Por isso, estou escrevendo esta carta, para avisar que a minha dor e meu amor, de mão dadas, atravessaram o oceano pra estar com você nestes últimos dias.
Para dizer que, a partir de hoje, eu não acredito mais que as pessoas morram, porque sei que, em mim, você vai continuar muito vivo. Em mim e, tenho certeza, em todas as pessoas que tiveram a alegria de poder conviver com você nestes 95 anos tão bem vividos. Em mim e em cada um dos seus 12 filhos, 30 netos e 13 bisnetos (até agora).
Continua viva a lição de que doce de leite não vem na porta de casa (que foi o seu jeito de ensinar à minha mãe que quando a esmola é demais, o santo desconfia e que ela me ensinou com as suas palavras). Continua viva a sua expresão de encantamento e alegria quando via o mar, que você amava tanto, apesar de tê-lo conhecido quando já era adulto há muito.
Continuam vivas as caixas de bombom Garoto que você nos dava em nossos aniversários e as palhas de milho que usava para fazer seus cigarros. Continua viva a barba por fazer que esfregava em nossas bochechas e a mão que (há tanto tempo) costumávamos beijar para pedir a benção. Continua viva sua mania de guardar os jornais dos dias super importantes, o que me deu (e ao Dudu também) uma fama considerável quando, na quarta série, levamos ao colégio a edição original do jornal que anunciou a morte de Getúlio Vargas.
Certeza: continua viva essa braveza, ah, a braveza de todos os Ribeiro. Um "aborrecimento" sem tamanho e que, apesar de tudo, nunca diminuiu, em nada, o amor que sentimos pelo senhor. Continua viva essa disposição para o trabalho, para não fugir da raia, para encarar os desafios de todos os dias com dignidade e cabeça sempre erguida.
Continua vivo o último conselho que me deu, com um puxão de orelhas: quando a gente casa, a saia tem que ficar mais comprida, viu?
Continua vivo o orgulho de ter um avô que, depois de uma vida inteira, inventou que queria ser diferente, e se permitiu aprender a dançar. Que se permitiu seguir dançando, mesmo quando já não ouvia as músicas, pelo simples fato de que a vida é mais feliz quando a gente dança. Fica a lembrança do seu aniversário, quando eu, Aninha e Paty decidimos ir na festinha que teria no Clube da Maturidade, e tivemos que enfrentar os olhares desconfiados de suas parceiras de dança.
Continua viva a alegria de ter um avô que nunca perdeu a capacidade de se encantar com os lugares (novos e velhos) e que adorava arrumar sua malinha e viajar, para onde quer que fosse. De um avô que, ao se surpreender com a possibilidade de conversar com o Dudu, do outro lado do mundo, pelo computador, começou a chorar e a acariciar a tela.
De um avô que, como não ouvia, acabava falando mais alto do que deveria no meio da missa. De um avô que amava ser visitado e que, de uns tempos pra cá, passou a aceitar qualquer beijo estalado, fechando os olhos e agradecendo sempre: obrigado, obrigado.
E, quando eu fecho os olhos, lembro do dia da novena, em que, comigo, mamãe e tia Izildinha, você, que não estava ouvindo uma só palavra do que dizíamos, levantou as mãozinhas e começou a cantar: "Em nome do pai, em nome do filho, em nome do espírito santo, estamos aqui..." e as lágrimas que me vieram naquele dia, quando começamos a cantar com você, voltam todas hoje, para simplesmente agradecer a oportunidade de tê-lo tido em minha vida, por todos esses 28 anos.
Sei que, de uns tempos pra cá, você começou a se organizar para ir embora, embora a gente não gostasse (e eu ainda não gosto) desse assunto. Mas também sei que te incomodava muito ir a enterros vazios, e, só por isso, para que você fique mais tranquilo, aviso nesta carta que foi um enterro muito cheio e repleto de amor.
Acredito, por fim, que Deus não te deixou sofrer nenhum minuto e que decidiu te levar para aliviar o seu sofrimento, porque, afinal de contas, Deus te quer sorrindo. E nós também...
Tenho certeza que você está sorrindo e descansando agora, ao lado da Vovó Magui e do Tio Gabriel.
Te amo muito e me despeço pedindo sua benção para continuar.
A benção, vô.
Laura
Amore, tô tentando te ligar há horas, mas aí só dá ocupado... Queria que você soubesse que mesmo de longe estou sintonizada com você aí, mandando um abraço apertado, bem forte, com muito amor e conforto, um beijo grande pra sua mãe, e um pensamento bem bom pro seu avô, onde quer que ele esteja! Como papai sempre fala - até hoje (quando a pessoa já era velhinha, e mesmo quando ela nem era tão velhinha assim) - ele descansou. E quisera eu viver assim tanto e tão bem!
ResponderExcluirUm beijo bem grande, mais tarde tento falar com você de novo.
Ps: O avô do Cris tb descansou hoje...
Que linda a carta, Laura.
ResponderExcluirTenho certeza que ele vai receber, onde quer que esteja.
Fiquei sabendo desta notícia triste agora.
Fique bem.
Um beijo!
Lourinha... lindissima a sua carta! Tenho certeza que ele receberá a mensagem... estamos aqui (e em breve ai também) para o que for preciso, beijos! Tavares e Cacá
ResponderExcluirSó você para colocar sentimentos tão lindos em palavras! Tenho certeza que ele ja recebeu esta cartinha tão cheia de amor!
ResponderExcluirEstou (continuo) por aqui ao seu lado! Sempre!
beijos e fique em paz...